domingo

''Feito roupa cheirando a guardado, você aqui em meu guarda-lembrança dependurado"

terça-feira

Na Casa Verde

Folhas soltas rolam sobre o telhado
Desenhando no ar silhuetas emaranhadas
Riscam nosso sono as mangas que despencam sobre nossos sonhos
Tateando buracos no teto do pensamento
Por que não deixar pingar sobre nós?
Nossos riachos já se transformaram há tempo em oceanos
Tudo ao nosso redor sua e derrete
O gelo sobre a mesa
Os nossos olhos que se penetram
O dia que escorrega
A noite que se entrega
Caminhamos...
A rua parece eternizar uma passagem entre nós
O que se passa?
Além de carros, histórias, bichos, risos e olhares.
Pressa!
Temos pressa!
Onde queremos chegar com tanta pressa?
Em casa?
Na cama?
Ou no fundo de nós?
Prosseguimos escondidos nas sinuosas grutas
Feito animais selvagens devorando um ao outro,
Tracejo nas páginas do teu corpo
Minha escrita canhestra
A procura de uma fissura
Para entrar
E por dentro te rabiscar
Feito uma criança maluca.
Marquei território na tua janela
Que é pra nenhum outro bicho farejar
E durante a noite querer-te roubar
Esse seu cheiro avassalador de sexo.
Perfume em pele na poltrona ao lado
Passam os caminhos
Mas tua paisagem fica,
Alterando ainda meu tempo
Supitando meus líquidos
Fazendo chover.
Sobe as escadas
Teu último olhar é poesia
Rima com o meu
Que palpita
Feito coração já acelerado de saudade




quinta-feira

Caos e Cosmos

São duas almas vibráteis
Alterando noções de tempo-espaço
Partículas de amor aceleradas
Delirando na velocidade da luz
Corpos, matéria dissolvida
Em pura energia desejante
Encontro grave sem gravidade
Peles suadas, vermelhas e mordidas levitando no espaço
Explodindo novas galáxias de cheiros, sabores e texturas
Buracos negros
Sugando a poeira estelar na umidade dos lábios
Devorando átomos do quadril 
Engolindo sucos cósmicos
Orbita e habita 
Criando anéis ao redor dos corpos fundidos
Estalando sóis
Na atmosfera do gozo

terça-feira

AMOR CIGANO


Por ti grita e baila meu desejo
Nômade nas estradas do teu corpo
E na leitura de tuas mãos
Nem a sorte, nem o destino,
E sim a poesia e o suor
Com o qual escreve danças de fogo
Em nossos encontros boêmios.
Trapaceia-me com sedução
Teus colares, lenços e palmas,
Sou castanholas em suas mãos
Saia que roda e faz barulho 
Nos seus ouvidos suados
Flores que despencam dos cabelos
E forram perfumadamente o chão da nossa cama.
Minha pele é um xale te cobrindo
Meu suspiro um leque em vento te arrepiando
Meu beijo uma dança flamenca em teus lábios
Oléééé!


CRIANÇAR

                       Sem notar
                                            Arrotar
                                    Falar e
                                                       Rodar
                                                               Rodar
                                                                       Não parar
                                                                                           Correr
                                                              Esconder
                                            Ser até não ser
                                  Viver
                   E não crescer
                                                Só ir
                                                               Existir
                                                                                Rir
                                                                                                  Até parir
                                                         No frescor
                                                                           Do sabor
                                                          
                                                                                           Um amor!




Quando Chega o Poema

Apita o trem...
É ele chegando na estação do pensamento
Chega assim mesmo...
Veloz sobre os meus trilhos
Descarrilhando-me vagões de sentidos.
Desembarca
E em mim embarca
Com suas malas cheias de sonhos
E desejo
Como desejo...
Teu corpo esculpido de viagem
Sobre meus caminhos sinuosos.
Loco-motiva de prazer!






quinta-feira

POESIA NOTURNA

A noite estrala nas algibeiras das esquinas,
Envergando o canto dos grilos até os espasmos dos ladrilhos.
Ergo o véu do teu sono desolado,
E mil bailarinas dançam sobre a cabeça de um alfinete.
O corpo vacila
De multidões é a vila
Vira
De seus fluxos é a mira
Lira
Notas doces em minha papila
Tira
Cada epiderme de sua tripa
Ira!

RABISCO NOTURNO



Linhas navalhas...
Devorando a primeira pele do papel
Sangue do traço,
Da poesia, um rastro
aFeto prematuro
Parido,
Chora verso, assustado com o ruído.
Respira e pira
Nua escrita
Da vida!



Pupila da Noite


Oh doce noite! A ti me rendo
Envolva-me no manto de tua névoa
Encerra-me no profundo de tuas pupilas
Que a lua é hoje
 Um rasgo na tua pele escura.



QUANDO ME FALA O POEMA

Roça-me os ouvidos a tua voz,
Brisa fresca velejando através de rios de distâncias.
Teu timbre tem a textura aveludada das pétalas de uma flor,
E balança, entre uma e outra palavra, através do vento que emana de sua respiração,
A sinto! Morna se entornando, adentrando-me,
Escorregando lentamente e prazerosamente para dentro de mim,
Preenchendo-me de sons que vibram, ecoam e estremecem minha carne.
Por vezes, tua voz é um vulcão em erupção, emanando palavras lavas que me queimam a pele,
Esfumaçam meus sentidos e me fazem arder.
Ardo! E como é árduo ouvi-lo sem tocar-lhe,
Ou, ou, ouvir-lhe é como sentir a sua fala macia tocando meu corpo todo e arrepiando cada fenda em mim.
Toca-me e me leva ao êxtase a tua voz que vagabundeia entre meus ouvidos,
Lambidos, os dois, ao mesmo tempo, ensurdecendo-os,
Quando quente, me grita o seu corpo.
Sua voz com dentes, me morde os afetos, arranca sangue do meu desejo,
Me despedaça, me come toda, me devora...
E ofegante, eu gozo!
Quando me fala o Poema.


domingo

Quando a Poesia encontra o Poema

Lá vai ela... rimando vida à fora,
Tropeçando em seus versos tristes,
Balbuciando no ouvido da noite pequenas infâmias sobre a loucura,
Vira a esquina, tromba com ele e troca de estrofe,
Muda o verso, delira e o verbo pega voo.
Rimando entra no seu mundo, compondo criam outros mundos,
E caminham juntos... em cada passo milhões de estrelas disfarçando-se de palavras. 
Ele é cantor, cria melodias com os versos,
E escreve na pele da vida com a própria voz.
Ela é dançarina, cria coreografia com as rimas,
E escreve nas veias da vida com o próprio corpo.
Ele, Poema, ela, Poesia.
Poema canta e Poesia dança.
Encontro da vibração da voz e do movimento do corpo,
Composição e decomposição da fala, dos gestos, da escrita.
Encontro arte!



quarta-feira

MULHER

Uma mulher nasce e morre quantas vezes forem necessárias em uma vida;
Não tem solidez, é líquida e vive das ondas do mar.
Uma mulher está sempre a procura de um si que não existe, pois se reinventa dia após dia;
É oca, mas não vazia. É que tem sempre a sensação de que tem espaço para mais um vir a ser...
Uma mulher repousa sobre a tormenta dos oceanos, sobre a fúria de um vulcão, e sobre o caos de um terremoto;
E descansa,
Sim, porque sua seiva é a própria tormenta, a própria fura, o próprio caos;
Uma mulher tem várias línguas: as que beijam, as que falam, as que mordem e também as que choram;
É verdade que uma mulher pode chorar pela língua, e talvez é pela pupila dos olhos que sinta o gosto de tudo.
Uma mulher gesta, não apenas pelo útero senão por toda a pele;
Há um feto que nasce em cada poro seu.
Uma mulher é então sempre uma, porque não existe A Mulher.


sexta-feira

DELIRANDO SOBRE O ENCONTRO



Ele tem perfume deLÍRIO,
DelirANDO vou ao seu encontro,
DelirAR nos faz alçar voos,
No delíRIO encontraREMOS corpos diluídos.
EncontrAMOs e nossas peles roçando ... delirAIS.
Meu beijo fará deliREI.
Com nosso encontro delirei, delirei!
E depois que nos encontrAMOs,

Como delIREI? Como delIREI?




terça-feira

ENTRE

Encontrou-se com a vida em sua forma mais simples e pura,
E sentiu sua existência com intensa materialidade e concretude,
Estava ali, e apenas existia...
Bastava?
A noite lhe indagava enquanto tragava suas lágrimas.
Mas não ousava responder, e apenas sentia...
Sentia com brutalidade a envergadura do seu desejo,
Tornando-se paralíticoparaplégico e isquêmico.
Tomou mais um gole de desesperança, 
E sentiu escorrer de si mesma a memória,
Há muito tempo vencida, derrancada e putrificada,
Entre as prateleiras empoeiradas do amor.
Teve então, os sonhos diluídos, aguados,
E nada tinha a fazer, senão espreitar o vazio.
Oca, seu suspiro ecoava entre...
Entre ela e o mundo...
Entre ela e a dor...
Entre ela e o silêncio...
Entre ela e ele...
Entre! 









Uma Noite, Apenas!

Uma noite, apenas, os olhos embaçaram,  

E enxergaram um céu distorcido e passaroco.

Uma noite, apenas, o corpo desfarelou,

Devorado pelas presas afiadas da dor.

Uma noite, apenas, o suspiro foi um grito,

Ensurdecendo as paredes assustadas. 

Uma noite, apenas, os lábios murcharam,

Secos,  minando sangue pelos lençóis.

Uma noite, apenas, um verme rastejou,

Fétidopermeio as penumbras da existência.

Uma noite, apenas, o gato não dormiu,

E arranhou o silencio abismal.

Uma noite, apenas, ela cheirou meus negros fios de cabelo,

partiu....

A morte!






sexta-feira

Sobre Estar Anoitecida

     O gato está sobre a janela,
E sobre a janela, miam os pingos da chuva.
O vento desenha estranhas formas nas cortinas,
Que se desprendem e ruflam pela sala.
A pele avermelhada do céu empresta à noite
Uma sensação gélida do inferno.
E todos os ruídos, são eles próprios, os gritos do inferno.
A madrugada é um útero gestando pensamentos loucos,
Nascidos prematuros e assustados, na claridade do dia.
E quantos ainda hão de morrer ou serem abortados antes de nascerem?
Pensamentos moribundos.   
Como estão apinhadas deles as vielas da noite...
Os becos dos sonhos...
E as covardias da razão!


segunda-feira

VENTO


Eu quis ver através de teus lábios entreabertos,
Assim como querer ver através da fresta da janela,
Para observar dentro do escuro de ti,
O brilho sorrateiro da sua noite.
Um vento morno ecoava boca a fora,
Janela a dentro...
E teus lábios se movimentavam como suaves cortinas
Ao encontro dos meus.
Suspeitei, por um instante, que o seu hálito fosse,
misteriosamente, sua alma em ventania.
E que o cheiro envolto entre nosso beijo fosse,
estranhamente, o perfume da pele das estrelas no céu.
E eu beijei cada poro da sua noite,
E senti o gosto de cada segredo seu.




quarta-feira

CINCO DE ESPADAS

E então, ela adormeceu...
Imóvel sobre suas pestanas avermelhadas e umedecidas.
Teu corpo, como um caracol envolto de si mesmo, sofria
Durante a madrugada, de imperceptíveis trepidações.
Não tardou para que os sonhos lhe revirasse os olhos,
E como em uma triste visão, ele surgiu.
De sobressalto ela acorda e em desespero questiona o silêncio.
E a noite calma e estrelada lhe diz:
Cinco de Espadas.


AMOR: O MAR

Amar é transbordar...
Transbordar de todas as formas, de todos os jeitos.
É sentir-se cheia, muito cheia,
E então transbordar-se, vazar de si mesma,
Como a lua, que cheia, entorna toda sua luz sobre o céu noturno,
Como o mar que enche e derrama-se em ondas na areia, alagando tudo ao seu redor.
Ah!a enxurrada....
O que é, senão o líquido do amor?
Vai com toda força arrastando tudo sem controle,
Não compreende as margens, tão pouco os muros que tentam lhe comprimir. 
Simplesmente escorre...
E ao escorrer desintegra-se, perde-se de si mesma para nunca mais voltar.
E o amor não correspondido?
É como a chuva em tempestade preenchendo todo o mar, que se agita
E se transborda em violentas ondas.
Mas, de repente, é como se toda a chuva cessasse,
E o mar cheio e sozinho, escorresse, escorresse,
E escorrendo, se desintegrasse em solitárias poças,
Até fazer o que era excesso, secar. 


quinta-feira

AUSÊNCIA

Tua ausência transfigura-se em turvas ondas que se quebram na areia da minha pele.
O vinho que bebo, lentamente enegrece meus lábios noturnos,
Ainda entreabertos e suspensos no banco da praça,
De onde juntos, avistávamos a nua lua branca e os pássaros que não batem asas.
Sucumbo, agora, entre as pernas do seu lânguido sono
Tão seu, tão íntimo.
Sinto nas entranhas da madrugada o fantasma do teu corpo,
Assombrando meus desejos insanos.
Estás aqui, sua pele escorregando por entre o colchão,
Seus dedos cravados nas paredes, minhas paredes,
Seu suor umedecendo as estrias da minha solidão.
Minha alma sambanga pelas ruas infinitas dos nossos olhares, ainda apressados,
Esvai pelos becos sombrios onde nossas línguas se embriagaram,
Arrepiando os pelos das horas esquecidas e
Fazendo dos nossos corpos, penhascos para o abismo.