domingo

ACHADO DE 2003 - CONTO: A RUA ESPELHO

Andando de bicicleta pela noite calma e sombria, resolvi passar por uma rua escura e sólida que escondia por detrás de suas ondulações, o medo e a pressa. Num determinado lugar da rua, o medo passou, não, eu já não respeitava aquele lugar que pertencia às coisas obscuras e horrendas.
Os carros começaram a conspirar a meu favor e com seus radiantes faróis clareavam o lugar por onde os pneus de minha bicicleta percorriam. Mas, derrepente, sem motivo aparente, os carros sumiram no abismo do escuro e os pedais travaram, me impedindo de prosseguir o meu destino.
Parei rapidamente antes que caísse, e observei as marchas e a corrente para ver o que sucedera, mas o incrível foi que nada de errado havia em nenhuma parte de minha magrela.
Sem entender tal azaração, olhei para os lados à procura de ajuda, e o que somente encontrei foi escuridão, a não ser a lua que prateava certa parte do lugar onde eu estava, e então, pude ver claramente com meus olhos arregalados, que estava parada no meio de uma ponte por onde passava a merda do esgoto da cidade, ou seja, do borá, e que do meu lado direito havia outra parte em que a lua também clariava mais sombriamente, árvores e pedras intrigantes e medonhas, flores e folhas sinistras, e a água que se deslanchava em melodias bélicas e satíricas. Ao fundo se ouvia algo cantar, com uma voz aturdida, percebi que não era uma sereia, era um pássaro, esta pedra me contou, é segredo interno, interpretação.
Parada, segurando a bicicleta ainda travada, cheguei a conclusão de que aquele pássaro melancólico era eu, que seu canto passaroco eram meus pensamentos altos, que aquela escuridão pérfida era minha mente atordoada e que aquela lua nédia era simplesmente minha alma.
Agora, consciente de meus olhos inferiores, mais tranquila e sem motivo aparente, sentei na bicicleta e sem que nada mais pudesse me impedir, pedalei vagarosamente pelo resto da rua espelho.
A língua encolheu e ficou cheia dentro da boca,
Atirando como flecha os dentes endurecidos.
Babei...saliva escorreu e escorrendo deixou de ser.

Restos de Madrugada

Arranquei-lhe o véu intransponível do prazer,
E borrei-lhe com o turvo amadurecer
O calvário doce do gradativo falecer.


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Não lhe apontei o atalho para o amor!
Apenas fui caminho alegórico enquanto tu andavas,
Em tua distração mister de louvor!

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O tênue signo que o suor fende em teu corpo,
Dilacera minha epiderme entorpecida
Aos cântigos lúbricos e enfermos de seu toque.

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Quem dera eu....
Fungar-lhe o peito todo.
E na alquimia de teu sexo,
Milhões de poesias compor!

ADEUS, OUTRA VEZ!

Libertai-me-ei de tua sombra,
Para que eu respire esse ar meu.
Tenho me sufocado com a tua ausência,
Sonhando ardentemente com o beijo seu.

Teus lábios macios e estáticos,
Têm fugido para longe dos meus,
Sempre fervorosos e incontidos,
Na ânsia sôfrega dos seus.

Terei de perdê-lo para encontrar-me,
Confusa e tétrica entre os olhos seus,
Misteriosos buracos negros do cosmo,
Que silenciosamente engolem os meus.

Retorne Elfo, para teu incógnito bosque neblinante,
E apenas ao anoitecer, busque-me nos sonhos meus.
Mas quando for dia e abrir os olhos eu quiser,
Se esconda entre minhas sombras para que eu não escute teu Adeus.

segunda-feira

PALAVREANDO


Tentei inventar as cores de eu pintura,
Nesta tela sôfrega de mim entardecer.
Toquei fios de pincéis ainda emaranhados,
Que sobre minhas tintas fez nascer.

Nascer.. de entranhas incógnitas,
De onde não enxergo pude ver...
Prenha de mim e do mundo,
Parida desse a-fecto de viver.

Raízes se espandem do coletivo das mentes,
Se conectam com o universo em verso.
Explodem em big-bangs dormentes.

De meus pés, brotam orelhas!
Ouçam a fertilidade dessa terra...
Desperto, e sou flor, rodeada de abelhas.